terça-feira, 21 de agosto de 2012

Aplicação da Pena -


Considerando o disposto no art. 59 do Código Penal, cabe dizer que somente as circunstâncias e consequências podem ser consideradas. No vasto campo de redefinições semânticas propiciado pelo Código Penal, encontra-se solo fértil para a garantia dos postulados do Estado Democrático de Direito, barrando-se, por assim dizer, as possibilidades de julgamento do acusado, mas sim de sua conduta, deixando-se de conjecturar sobre a subjetividade dele, por absoluta inconstitucionalidade, utilizando-se a matriz "garantista" de Luigi Ferrajoli. Assim é que as "circunstâncias judiciais" previstas no artigo 59 do Código Penal, culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos e as circunstâncias e consequências do crime, precisam ser analisadas mais detidamente, uma vez que a "pletora de significantes" é utilizada de maneira anti-garantista, desprezando-se o processo de secularização da sociedade contemporânea. De sorte que o julgamento, bom se lembrar, é da conduta e não da pessoa do acusado que, todavia, na fase de aplicação da pena é esquecido em nome da "Defesa Social", pois como afirma Salo de Carvalho , em obra pioneira, "no momento da sentença penal condenatória, o sistema revela toda sua perversidade ao admitir o emprego de elementos essencialmente morais, desprovidos de significado com averiguação probatória". Neste pensar, Lédio Rosa de Andrade possui razão ao argumentar que tudo já se encontra em frases feitas repassadas nos "cursinhos para concurso", depois utilizadas na prática forense, sem qualquer reflexão crítica, tornando as decisões absolutamente nulas num "Estado Democrático de Direito", tais como: "Destacam-se: 'Personalidade mal formada, agressiva e com contornos de distorção moral', ou 'É mal formada, justamente em decorrência do baixo nível social em que sempre viveu'. Ou seja, o pobre tem personalidade mal formada; e o rico, não. (...) Frases montadas, repetitivas e vazias, que não dizem absolutamente nada, decidem quantos anos um cidadão passará na cadeia". Desta forma, a aplicação do artigo 59 do Código Penal se transforma num palco de impressões pessoais, lugares-comuns, incontroláveis, imaginárias. Clássico julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, proferido na Apelação Criminal n. 70004496725, relator Desembargador Amilton Bueno de Carvalho: "A valoração negativa da personalidade é inadmissível em Sistema Penal Democrático fundado no Princípio da Secularização: 'o cidadão não pode sofrer sancionamento por sua personalidade – cada um a tem como entende'. (...) Mais, a alegação de 'voltada para a prática delitiva' é retórica, juízes não têm habilitação técnica para proferir juízos de natureza antropológica, psicológica ou psiquiátrica, não dispondo o processo judicial de elementos hábeis (condições mínimas) para o julgador proferir 'diagnósticos' desta natureza. (...) Outrossim, o gravame por valoração dos antecedentes é resquício do injusto modelo penal de periculosidade e representa bis in idem inadmíssivel em processo penal garantista e democrático: condena-se novamente o cidadão-réu em virtude de fato pretérito, do qual já prestou contas". De outra face, a conduta social, também na linha da "mentalidade criminológica" vasculha qualquer situação da vida pessoal para ali encontrar, retoricamente, um motivo para majoração da pena. Qualquer pessoa possui na sua "história pregressa" situações traumáticas, geradoras de situações psicológicas (neuroses, psicoses, etc.) e qualquer acontecimento é pescado para justificar a majoração da pena. Por fim, os motivos e as circunstâncias e consequências do crime bem com o comportamento da vítima. Tais "circunstâncias judiciais" também devem ser vistas com reservas. Numa sociedade desigual como a brasileira, as dificuldades sociais devem ser levadas em consideração principalmente nos delitos patrimoniais, excluídos do rol de Direitos Fundamentais, para o fim de diminuir a pena base, que pode baixar do mínimo por ausência de previsão legal em sentido contrário, com o cuidado para não se caracterizarem como bis in idem. O comportamento da vítima, por sua vez, serve, a rigor, também para redução. Com efeito, as circunstâncias judiciais da conduta social e personalidade, previstas no artigo 59 do Código Penal só podem ser consideradas para beneficiar o acusado e não para lhe agravar mais a pena. A punição deve levar em conta somente as circunstâncias e consequências da conduta. Tal posição decorre da garantia constitucional da liberdade prevista no art. 5º da Constituição da República. Se assegurado ao sujeito apresentar qualquer comportamento (liberdade individual), só responderá por ele, se sua conduta (lato sensu) for ilícita. Ou seja, ainda que sua personalidade ou conduta social não se enquadre no pensamento médio da sociedade em que vive (mas seus atos são legais) elas não pode ser utilizadas para aumentar a pena, prejudicando-o (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Acórdão em Apelação Criminal n. 70000907659. Relator Desembargador Sylvio Baptista). No tocante às circunstâncias e consequências, desde que descritas na denúncia/queixa e tendo sido objeto da instrução processual em contraditório, são as únicas possibilidades de majoração da pena base além do mínimo legal, sempre em face da violação do bem jurídico tutelado, da lesividade da conduta, da dimensão da ação, ou seja, os princípios garantistas, no limite do caso apresentado.
Ainda que não seja o caso, não se pode invocar eventual "periculosidade". Isto porque, o ápice disto encontra-se na reincidência (Código Penal, arts. 63 e 64) que serve para, de mãos dadas com a análise da personalidade do agente, fixar a pena necessária para sua recuperação, com franca influência da "Escola Positiva" (Lombroso e Garofalo), e fundamentada na periculosidade, violando escancaradamente o princípio do nos bis in idem e da intangibilidade da coisa julgada (Constituição da República, art. 5º, inciso XXVI). Salo de Carvalho argumenta: "Entendemos que, muito embora o discurso oficial tente ocultar tal justificativa, a teoria que melhor explicita nosso modelo justificador da reincidência é o da teoria criminológica derivada do positivismo, visto a adoção do critério 'periculosidade'". Na mesma direção Zaffaroni e Pierangeli afirmaram que se estabelece: "o corolário lógico de que a agravação pela reincidência não é compatível com os princípios de um direito penal de garantias, e a sua constitucionalidade é sumamente discutível. (...) Na realidade, a reincidência decorre de um interesse estatal de classificar as pessoas em 'disciplinadas' e 'indisciplinadas', e é óbvio não ser esta função do direito penal garantidor". Assim é que a reincidência congrega uma função simbólica de manter a "ordem e a disciplina", sob pena de um aumento por aquilo que se fez e se quitou, punindo-se, desta forma, novamente a situação anterior, desconsiderando-se que a pena anterior foi cumprida e há coisa julgada. Logo, incompatível com o Estado Democrático de Direito! Segundo André Copetti : "A agravação da pena do delito posterior é dificilmente explicitável em termos racionais, e a estigmatização que sofre a pessoa prejudica a sua reincorporação social. Em termos de direitos humanos, a igualdade perante a lei, o fim da readaptação da pena privativa de liberdade, a racionalidade das penas e a presunção de inocência, entre outros, resultam afetados. O registro da condenação uma vez cumprida e sua relevância potencial futura colocam o condenado que cumpriu sua condenação em inferioridade de condições frente ao resto da população, tanto jurídica como faticamente". E, como a periculosidade foi defenestrada dos Estados Democráticos, impossível seu manejo a partir da incidência de uma "oxigenação constitucional" do Código Penal, razão pela qual é possível concordar perfeitamente com Lenio Luiz Streck ao afirmar que "esse duplo gravame da reincidência é antigarantista, sendo, à evidência, incompatível com o Estado Democrático de Direito".
Extraído de:http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com.br/2012/08/aplicacao-da-pena.html

domingo, 15 de abril de 2012

Vamos estocar comida:sugestões populares ao novo Código Penal pedem endurecimento da lei

(nossas ideias)

Redução da maioridade penal para dez anos, trabalho forçado para presos, castração química de estupradores, prisão perpétua para reincidentes e pena de morte para corruptos...

Graças...tais 'desejos populares' não poderão ser concretizados, há uma Constituição a ser seguida!

Desde a instalação da comissão de reforma do Código Penal, em novembro do ano passado, o Senado Federal vem recebendo sugestões populares ao anteprojeto que está sendo elaborado por juristas e que dirá o que é crime no país, quais as penas e como elas devem ser cumpridas. Até esta semana, foram quase 2.500 participações, a maioria pedindo o aumento de penas, a criminalização de novas condutas e o endurecimento da lei penal. #Sugestões estão sendo recebidas pelo
site do Senado e pela linha do Alô Senado (0-800-612211).


A maior incidência de sugestões trata, na parte geral do código, da redução da maioridade penal e da revisão da legislação especial aplicável aos menores infratores; na parte especial, da criminalização da homofobia e recrudescimento das penas, especialmente quanto aos crimes contra a administração pública (por exemplo, a corrupção); e, na execução, as sugestões são para modificar o sistema progressivo do cumprimento de penas, com ênfase em maiores exigências para obtenção do benefício.

“O clamor pelo endurecimento das leis reflete o pensamento da sociedade sobre a segurança pública no Brasil.” A análise é do ministro Dipp. Ele vê na impunidade a causa deste sentimento social. Mas o ministro ressalva que o endurecimento da lei não significa a diminuição da criminalidade.
Se o Brasil fosse um país de impunidades não estaria com uma quantidade de presos superior a 514.582 (segundo dados do Ministério da Justiça - INFOPEN), como disse o Diretor do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, Augusto Rossini, que o grande desafio é convencer a sociedade de que alternativa penal não é impunidade.
Penso que não há que se 'tentar' convencer a sociedade de que a alternativa penal não é impunidade. Quero dizer que o senso comum NÃO pode legislar, e que não pode legislar em matéria penal (o que seria muito pior), não se pode aceitar que - em um Estado Democrático - senso comum diga como deverá ser o código penal e que (com base em suas ideias, a lei penal se faça valer), ainda mais quando as ideias do senso comum são absolutamente irrealizáveis do ponto de vista constitucional e, portanto, insustentáveis, inadmissíveis - até mesmo porque se aceitássemos estaríamos diante de um Estado Totalitário.
“Uma boa lei penal, condizendo com a realidade do Brasil atual, é o ponto de partida, a base, a plataforma para que as entidades envolvidas na segurança pública, no sistema de prevenção e no sistema de penalização possam trabalhar adequadamente. Mas só a lei não basta.” O ministro do STJ afirma que é preciso uma mudança de mentalidade, de investimentos em polícia técnica, em polícia civil, em remuneração, no combate à corrupção nos órgãos públicos. “É preciso, também, um Ministério Público dedicado e aparelhado. E é preciso um Judiciário engajado e envolvido em ter decisões justas, mas em tempo hábil”, adverte.
Talvez, em não aceitarmos decisões (IN)JUSTAS, até que se consiga estabelecer o que é justo(!).
Pena justa
Para o relator da comissão de reforma do CP, procurador regional da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, as manifestações recebidas pelos canais do Senado não demonstram propriamente um desejo de vingança da população, mas um anseio por justiça e pelo fim da impunidade. “A sociedade percebe que a lei penal não é aplicada igualmente para todos, o que gera grande desconforto”, avalia.
Vejo que, a afirmação de que a sociedade percebe que a lei penal não é aplicada igualmente para todos, o que causa grande desconforto, significa dizer que, esta SENSAÇÃO é oriunda daquilo que vem sendo transmitido midiaticamente, e que se traduz em uma realidade acabada e correta de uma visão geral do sistema de justiça criminal (o que, por óbvio, não corresponde a uma realidade, senão traduz-se em uma percepção, e o que é pior: de uma percepção criada pela mídia).

Ele acredita que nem sempre pena alta significa pena justa, e que é compreensível que a reação imediata a um crime violento seja o clamor por uma lei mais rígida. Lembro-me da Lei Hedionda, criada sob uma pressão midiatica bastante forte. “Não podemos nos esquecer de que o crime é sempre a violação do direito fundamental de alguém: vida, incolumidade física, propriedade, liberdade, paz... A violência e a fraude destroem sonhos, experiências, estilos de vida”, explica Gonçalves. De igual modo, também não deveríamos nos esquecer que as condições em que o Estado segrega aqueles que - supostamente ou que tenham efetivamente cometido um delito -, também violam direitos e garantias fundamentais: como a vida, a liberdade, a igauldade, a segurança, ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, nenhuma pena passará da pessoa do condenado, é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral etc. para citar alguns poucos -, além, é claro, de outros âmbitos de violações, como o ocorrido com a Lei 7.210/84, sendo dever do Estado a prevenção ao crime (e não o seu aumento), a necessária assistência material, à saúde, social, educacional etc.

Para o relator do anteprojeto do novo CP, é por essa razão que a sociedade espera que o poder público faça frente à criminalidade, evitando que a vida em sociedade seja a luta do mais forte ou astuto contra os mais fracos. “Se há um crime violento ou que causa grave lesão social e nada acontece, a confiança das pessoas no estado democrático de direito fica abalada”, afirma.
Isso me lembra Hegel, me recorda Jakobs, onde há um vontade que é geral, que é constituída pelo direito, frente a ela acaba se contrapondo uma vontade particular, onde com seu comportamento acaba negando a vontade da maioria, assim, a pena restabelece a vontade geral através da negação: a negação da negação.

Gonçalves pondera que as penas devem ser proporcionais à lesão ao direito que o crime causa. “As penas brandas ou que não são efetivamente aplicadas também são desproporcionais”, avalia.
Qual será a função da pena?
Sugestões
Toda sugestão enviada é apreciada pela comissão e serve como parâmetro para saber como pensa a sociedade. De que servirá este parâmetro? O parâmetro para um Código Penal é um parâmetro constitucional! “O código está sendo feito nos dias de hoje, mas projetado para o futuro, num país extremamente plural, como é o Brasil”, explica o ministro Dipp.

Um morador de Propriá (SE) exprimiu assim sua opinião: “Os crimes estão aumentando e ficando cada dia mais cruéis. Acho que não seria necessário o aumento das penas máximas, mas sim o cumprimento integral delas.” De Campo Novo de Rondônia (RO), chegou essa manifestação: “Espero que aprovem leis mais severas para os crimes de homicídio; nosso país está um caos, pessoas perdem a vida por motivos banais e o assassino não fica preso porque as leis são muito brandas.”
O aumento do período máximo de encarceramento – hoje, 30 anos – para 40, 50 anos ou prisão perpétua também figurou em dezenas de sugestões. Um morador de Juazeiro (BA) disse: “Sugiro penas mais firmes, como por exemplo, castração química de estupradores e pedófilos. Também a instauração da prisão perpétua para todos os crimes hediondos.” De Santa Maria (RS), um morador opinou em sentido semelhante: “Aumentar a pena máxima para 50 anos ou para prisão perpétua. Acabar com absurda progressão da pena que equivale à quase impunidade. Progressão só depois de cumprir 85% da pena.”
Houve também a defesa da pena de morte para as mais diversas situações. Da cidade de São Paulo, um cidadão sugeriu: “Pena de morte para quem cometer corrupção com dinheiro público”. Outro, de João Pessoa, opinou: “Qualquer crime que prejudique a economia ter como condenação a pena de morte. Qualquer crime que envolva a vida e a honra dos cidadãos ter como condenação a pena de morte.”
Vamos estocar comida?
De acordo com o relator da comissão, a participação dos cidadãos tem sido valiosa em vários sentidos, não só para revelar opiniões, mas para indicar a necessidade de algumas proteções penais. O procurador Gonçalves afirma que a comissão não tinha atentado, por exemplo, para a importância da proteção dos animais contra violências ou tratamentos cruéis e degradantes. “Foram os cidadãos que, por meio do espaço na página do Senado, nos chamaram a atenção para esta importantíssima questão”, conta.

“Pessoas que cometerem maus tratos em animais devem pegar pena mínima de 25 anos. No caso de tráfico de animais, além da pena, uma multa enorme para cada animal, e mais ainda por vidas perdidas”, sugeriu um morador da cidade de São Paulo. Uma moradora de Canoas (RS) também abordou o tema: “Penso que deveriam considerar crimes de atentado ao pudor, estupro e maus-tratos a exploração sexual de animais seja por ‘conjunção carnal’ , com ou sem violência, e fotos pornográficas mostrando atos sexuais de humanos com animais, tanto de quem pratica ou agencia esse tipo de prática.”
(???)
Maus tratos em animais com uma pena mínima de 25 anos? Quem maltratar um animal terá uma pena mínima abstratamente cominada superior ao dobro do crime de homicídio qualificado?
Alguém dirá à moradora de canoas que estupro e atentado violento ao pudor, com a Lei 12.015/09 passou a ser a mesma coisa! Alguém dirá a esta moradora de Canoas que este crime é um crime contra qulaquer pessoa.
Veja-se o perigo em que pode ser transformada a manifestação do senso comum.
Código moderno
Revisar um texto de lei escrito em 1940 não tem sido fácil para os 15 juristas que, voluntariamente, se esmeram na tarefa de produzir o novo código, mais moderno. O procurador Gonçalves explica que a modernidade buscada pela comissão é pragmática: a capacidade da lei nova de dialogar com a sociedade e fazer frente à evolução das condutas criminosas.

“O tipo penal de formação de quadrilha ou bando não supre a necessidade da previsão das organizações criminosas; o estelionato não pode ser a resposta para todos os crimes cibernéticos; o terrorismo precisa ser definido; o furto de uma bolsa não pode ser equiparado à explosão de um caixa eletrônico; quem bebe não pode dirigir; quem pratica ‘racha’ ou ‘pega’ deve arcar com as consequências desse tipo de irresponsabilidade”, assevera.

Da mesma forma que irá tipificar penalmente novas condutas, o novo CP vai abolir do texto práticas que pareciam graves na sua edição, mas que hoje não têm mais relevância para a sociedade. “A evolução dos costumes foi extraordinária nas últimas décadas. O Código Penal tem 72 anos. Alguns dizem que ele já deveria estar aposentado compulsoriamente”, diz o ministro Dipp.

Ele destaca que é preciso que o CP seja o centro de um sistema penal voltado para punir aquelas condutas que trazem lesão social – como os crimes violentos contra a vida, contra a saúde, contra a sociedade, contra o patrimônio público e privado. “Nada impede que esses tipos penais passem a ser infrações de ordem administrativa ou civil”, sugere.
Problema maior
O sociólogo Tulio Kahn, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), diz que é preciso avaliar o risco da punição. Ele acredita que a discussão sobre o novo CP é importante, mas não o mais importante para revolver o problema da segurança pública. Kahn destaca a relevância de haver políticas de cunho preventivo ou que enfoquem outros aspectos que não apenas a legislação.

“Não é só mudança de leis, quem dera! Você precisa de gestão, você precisa de recursos, de sistema... Mas os meios de comunicação, o Congresso Nacional focam em resolver a questão mudando a lei”, avalia.

O sociólogo revela que pesquisas já detectaram haver compreensão por parte da população de que a criminalidade é um reflexo do problema social, da pobreza, da falta de emprego. “Uma compreensão que eu diria que é sofisticada do ponto de vista das causas, mas que é muito pobre do ponto de vista das soluções. É o repertório que as pessoas conhecem. Não têm alternativas preventivas. As pessoas acabam embarcando nas propostas de endurecimento, que são as que, volta e meia, vêm à tona”, critica Kahn.

Com o foco ainda mais amplo, Eugenio Raúl Zaffaroni, ministro da Corte Suprema de Justiça da Argentina, assegura que há uma tendência mundial ao que ele classifica como um “retrocesso dos direitos humanos e das garantias penais e processuais", paralelamente ao aumento da "autonomia das polícias”.

“Sabe-se que o aumento das penas e a arbitrariedade repressiva só servem para potencializar a violência nas sociedades”, pondera. O jurista garante que o alto índice de homicídios no Brasil reduziu nos últimos anos e segue diminuindo, o que também ocorre na Argentina. Para Zaffaroni, a diminuição dos índices de homicídio nesses países se deve à redução da desigualdade na distribuição de renda, que tem correlação com a violência.

“O delito violento só se previne com mais igualdade, mais investimento em educação, mais universidades públicas, mais acesso à instrução, melhor distribuição de renda e, especificamente, qualidade técnica, melhoria das condições de trabalho, profissionalização, dignificação e controle político e judicial das polícias”, propõe Zaffaroni.

Questionado sobre a função da pena, o relator da comissão, procurador Gonçalves, revela que acredita na possibilidade de ressocialização do preso e que isso não é responsabilidade única dele próprio. “A sociedade que pune deve, também, oferecer caminhos para que o criminoso volte para a vida comunitária. As penas servem para ressocializar e, também, para impedir que as pessoas façam justiça com as próprias mãos”, conclui.
Concluindo: vamos estocar comida...

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Esclarecimentos à sociedade:Em relação à decisão da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, objeto da notícia “Presunção de violência contra menor de 14 anos em estupro é relativa”, esclarecemos que:

1. O STJ não institucionalizou a prostituição infantil.
A decisão não diz respeito à criminalização da prática de prostituição infantil, como prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente ou no Código Penal após 2009.

A decisão trata, de forma restrita e específica, da acusação de estupro ficto, em vista unicamente da ausência de violência real no ato.

A exploração sexual de crianças e adolescentes não foi discutida no caso submetido ao STJ, nem mesmo contra o réu na condição de "cliente". Também não se trata do tipo penal "estupro de vulnerável", que não existia à época dos fatos,
assim como por cerca de 70 anos antes da mudança legislativa de 2009.
2. Não é verdade que o STJ negue que prostitutas possam ser estupradas.
A prática de estupro com violência real, contra vítima em qualquer condição, não foi discutida.

A decisão trata apenas da existência ou não, na lei, de violência imposta por ficção normativa, isto é, se a violência sempre deve ser presumida ou se há hipóteses em que menor de 14 anos possa praticar sexo sem que isso seja estupro.

3. A decisão do STJ não viola a Constituição Federal.
O STJ decidiu sobre a previsão infraconstitucional, do Código Penal, que teve vigência por cerca de 70 anos, e está sujeita a eventual revisão pelo STF. Até que o STF decida sobre a questão, presume-se que a decisão do STJ seja conforme o ordenamento constitucional. Entre os princípios constitucionais aplicados, estão o contraditório e a legalidade estrita.

Há precedentes do STF, sem força vinculante, mas que afirmam a relatividade da presunção de violência no estupro contra menores de 14 anos. Um dos precedentes data de 1996.

O próprio STJ tinha entendimentos anteriores contraditórios, e foi exatamente essa divisão da jurisprudência interna que levou a questão a ser decidida em embargos de divergência em recurso especial.

4. O STJ não incentiva a pedofilia.
As práticas de pedofilia, previstas em outras normas, não foram discutidas. A única questão submetida ao STJ foi o estupro - conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça - sem ocorrência de violência real.

A decisão também não alcança práticas posteriores à mudança do Código Penal em 2009, que criou o crime de "estupro de vulnerável" e revogou o artigo interpretado pelo STJ nessa decisão.

5. O STJ não promove a impunidade.
Se houver violência ou grave ameaça, o réu deve ser punido. Se há exploração sexual, o réu deve ser punido. O STJ apenas permitiu que o acusado possa produzir prova de que a conjunção ocorreu com consentimento da suposta vítima. 6. O presidente do STJ não admitiu rever a decisão.
O presidente do STJ admitiu que o tribunal pode rever seu entendimento, não exatamente a decisão do caso concreto, como se em razão da má repercussão.

A hipótese, não tendo a decisão transitado em julgado, é normal e prevista no sistema. O recurso de embargos de declaração, já interposto contra decisão, porém, não se presta, em regra, à mudança de interpretação.

Nada impede, porém, que o STJ, no futuro, volte a interpretar a norma, e decida de modo diverso. É exatamente em vista dessa possível revisão de entendimentos que o posicionamento anterior, pelo caráter absoluto da presunção de violência, foi revisto.

7. O STJ não atenta contra a cidadania. O STJ, em vista dos princípios de transparência que são essenciais à prática da cidadania esclarecida, divulgou, por si mesmo, a decisão, cumprindo seu dever estatal.

Tomada em dezembro de 2011, a decisão do STJ foi divulgada no dia seguinte à sua publicação oficial. Nenhum órgão do Executivo, Legislativo ou Ministério Público tomou conhecimento ou levou o caso a público antes da veiculação pelo STJ, por seus canais oficiais e de comunicação social.
A polêmica e a contrariedade à decisão fazem parte do processo democrático. Compete a cada Poder e instituição cumprir seu papel e tomar as medidas que, dentro de suas capacidades e possibilidades constitucionais e legais, considere adequadas.

O Tribunal da Cidadania, porém, não aceita as críticas que avançam para além do debate esclarecido sobre questões públicas, atacam, de forma leviana, a instituição, seus membros ou sua atuação jurisdicional, e apelam para sentimentos que, ainda que eventualmente majoritários entre a opinião pública, contrariem princípios jurídicos legítimos.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Projeto Barreras

Depois de ter publicado em -Escrito sobre violência e Certos Cinimos - A Arte que Denuncia a Violência, Projeto Inside Out, O Projeto Barreras entrou em contato comigo fazendo a divulgação de seu projeto que achei bastante interessante, por isso vale o post.

O Projeto Barreras, através de documentário mostrar ao publico o trabalho desenvolvido ao longo de 4 anos, demonstrando a possibilidade de  reinserir presos na sociedade com ajuda de arte e cultura. Conscientizar a população sobre importância de passar a ver os presos como seres humanos, com problemas e dificuldades e não como animais irracionais. Segundo o Projeto Barreras "A violência na sociedade é causada principalmente pela desigualdade. Por isso, esse projeto é uma chance de reunir os diferentes grupos sociais da sociedade em torno de um objetivo comum: igualdade social, direito a acesso a cultura e consequentemente menos violência em nossas cidades".
Quem tiver interesse em saber mais sobre este projeto acesse: http://zarpante.com/investment/barreras-longa-document-1030

O filme, quando pronto, será diposnibilizado gratuitamente.

Arte que denuncia a violência - Projeto Inside Out

Em maio de 2011, a comunidade do Morro da Providência, no Rio de Janeiro, mobilizou-se para colocar nas paredes da favela as fotos da remoção, realizada pela Prefeitura, cujo objetivo foi a retirada de moradores que viviam em áreas de risco. Esta foi a primeira participação do Brasil no projeto - Inside Out - intervenção urbana realizada pelo grafiteiro francês JR.
JR é conhecido por fotografar crianças que vivem em áreas de violência da periferia parisiense e colocar estas imagens ampliadas em paredes de regiões nobres da capital francesa.



Para quem tiver interesse em conhecer melhor o trabalho e, até mesmo, encaminhar fotos digitais do cotidiano: www.insideoutproject.net



Fonte: Scientific American - mente cérebro - ano XIX Nº 230. III/2012

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

"Equívoco coletivo": quando inocentes cumprem pena

O Fantástico deste domingo, 04.12.2011, abordou em sua reportagem a situação de homens que, sendo inocentes, foram condenados injustamente e acabaram cumprindo pena de prisão durante dez anos.
Osvaldo, condenado a vinte anos de prisão, preso em 1992, quando um homem foi assaltado e morto, ficando preso até 2001. Anos depois o 'verdadeiro culpado' confessou o crime. 
Wagno, em 1997 foi preso pela morte de um taxista, com base no depoimento de um adolescente, ficando preso até 2006. Wagno foi preso e torturado para confessar o delito.
O presidente do STF disse que os casos de erro do judiciário de identificação são excepcionais, raros, que decorrem de equívoco coletivo, falha da polícia, do MP, do judiciário e da própria defesa que não consegue fazer prova imediata do equívoco de identificação.
Estes casos chamam a atenção pelo erro judiciário decorrer de falhas graves na identificação dos condenados, a identificação que, ao que se sabe, tem sempre uma grande probabilidade da ocorrência de erro, por diversos motivos. É sempre complicado identificar o Outro, ainda mais quando se envolve uma situação de estresse bastante elevada que acaba impossibilitando o próprio (re)conhecer. 
Mas, chama também, bastante atenção que um Ministro - presidente do Supremo Tribunal Federal STF - venha em público explicar esta situação, e, na tentativa de explicação, acabe referindo que se tratou de um equívoco coletivo, de um erro de identificação excepcionalmente raro, entretanto, acredito que os erros sejam mais comuns do que possamos imaginar, dado a fragilidade decorrente do próprio ato de identificação, sobretudo dos meios utilizados para que alguém seja identificado. Lembro-me das situações onde o suspeito é branco, ao proceder-se a identificação, apresenta-se à vítima apenas um homem, e negro, sendo este reconhecido e condenado. Além disso, dizer que falha a defesa que não consegue fazer prova imediata do equívoco da identificação, é o (próprio) equívoco, já que não cabe a ela provar nada, mas sim ao MP, este sim, responsável pela comprovação da (não) inocência do sujeito, a ele está presente o ônus de provar a culpa, ele carrega a carga e não devemos nos esquecer disso, muito embora o próprio presidente do STF o tenha esquecido...


Veja a reportagem no link: http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1677061-15605,00.html

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

STF autoriza marchas pela legalização das drogas

STF autoriza marchas pela legalização das drogas

Corte deixou claro que mobilizações não podem incentivar e consumir entorpecentes

O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, nesta quarta-feira, que estão liberadas as marchas a favor da legalização das drogas. A Corte deixou claro que isso não significa autorização para o consumo de entorpecentes. Os ministros atenderam a um pedido da vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, para que fosse excluída a possibilidade de criminalização da defesa da legalização em eventos públicos.

Os integrantes do STF afirmaram que ações como a Marcha da Maconha são legítimas formas de reunião para manifestação de pensamento. A única restrição é para que sejam pacíficos, não incentivem o consumo de entorpecentes e não haja consumo durante as mobilizações.

O relator da ação no STF, Carlos Ayres Britto, destacou que o direito de reunião atende a dois princípios da democracia: o pluralismo e a transparência. "Quem quer que seja pode se reunir para o que quer que seja desde que o faça de forma pacífica", salientou.

Em junho, o plenário do STF já havia liberado a realização da Marcha da Maconha. Na ocasião, o Supremo concluiu que a Constituição Federal protege os direitos de reunião e de livre expressão que garantem a realização de mobilizações como as marchas favoráveis à descriminalização das drogas.

O ministro Gilmar Mendes disse que era necessário esclarecer que essa liberdade de reunião tem limites. Ele exemplificou essa necessidade citando a pedofilia. Mendes questionou se seria possível liberar uma reunião na Praça dos 3 Poderes, em Brasília, para debater a descriminalização da pedofilia.

"É impossível sustentar-se a liberdade de reunião quando a descriminação da conduta signifique uma autorização de atos ofensivos a direitos fundamentais e a condições básicas de convivência ética e democrática", afirmou o presidente do STF, Cezar Peluso.