terça-feira, 2 de março de 2010

Bastante interessante...Drogas

PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DE BELÉM
PROMOTOR DE JUSTIÇA PLANTONISTA



PEDIDO DE CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA


Requerentes:

MANOEL LOBATO PINHEIRO (advogado: Michell Mendes Durans da Silva) e
ALAN MATOS DA COSTA (Defensoria Pública
Referência: IPL nº 001.2010.2.013058-4
Capitulação penal provisória: art. 33 da lei nº 11.343/06

Meritíssimo Juiz Plantonista,
MANOEL LOBATO PINHEIRO e ALAN MATOS DA COSTA, o primeiro assistido por advogado particular e o segundo pela Defensoria Pública, pretendem a concessão de liberdade provisória, nos termos do art. 310, parágrafo único, do CPP, alegando, em síntese, não estarem presentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva.
Os Requerentes foram indiciados, sob a imputação de haverem praticado o delito de tráfico ilícito de drogas, previsto no art. 33 da Lei nº 11.343/2006.
Em síntese, no dia 26 de fevereiro de 2010, DÊNIS CÉSAR OLIVEIRA CARNEIRO telefonou para o indiciado ALAN MATOS DA COSTA, pedindo que conseguisse um tubo de “loló”. O encontro foi marcado para o mesmo dia, atrás do Pólo Joalheiro (São José Liberto). Na hora e local aprazados, quando ALAN entrou no carro de DÊNIS para realizar o negócio, policiais civis do Grupo de Polícia Metropolitana apareceram no local e flagraram a transação.
Com o suposto usuário nenhuma droga foi encontrada.
Porém, em poder de ALAN foram encontrados, segundo o auto de apreensão de fl. 18, uma peteca grande de cocaína pesando 30 gramas, 01 peteca pequena de cocaína e 01 tablete pequeno de maconha.
Na ocasião, ALAN teria dito que referida droga havia sido adquirida de um traficante conhecido pelo apelido de “DUQUITA”, que é o indiciado MANOEL LOBATO PINHEIRO.
Na sequência, ALAN informou o endereço de MANOEL e, juntamente com os policiais, para lá se dirigiu.
Os policiais ingressaram na casa do indiciado MANOEL e, segundo o auto de apreensão de fl. 18, encontraram naquele imóvel 04 petecas de cocaína.
Ambos os indiciados foram presos e encaminhados à Delegacia de Polícia para o procedimento flagrancial.
Os laudos de constatação provisórios atestaram tratar-se de cocaína e maconha.
Em decisão de fls. s/n, Vossa Excelência homologou o flagrante e manteve a constrição, entendendo não existirem vícios de forma e/ou matéria. Sustentou, ainda, que a Lei nº 11.343/06 proíbe a concessão de fiança e de liberdade provisória, e, in limine, sem ouvir o Ministério Público (como manda expressamente o art. 310, caput, do CPP), julgou prejudicados os pedidos formulados pelos indiciados, às fls. 24/35 e 61/65.
A princípio, os autos vieram ao Ministério Público apenas para ciência da decisão, afinal o Juízo já havia rejeitado o pleito. Ocorre que, como houve violação clara do mandamento legal contido no art. 310, caput, do CPP, que determina ao juiz ouvir o Ministério Público antes de proferir decisão no pedido de liberdade provisória, o Parquet vê-se na obrigação constitucional de manifestar-se, sim, acerca do requerimento formulado.
Trata-se, aqui, de direitos fundamentais envolvidos. Assim sendo, é imprescindível a intervenção ministerial que, pelo desenho constitucional, deve sempre assegurar a proteção e a tutela dos direitos individuais.
Portanto, enfrentemos a delicada questão de direito que envolve o pedido e que, embora sabiamente tratada pelos advogados que subscrevem as peças, não foi examinada na decisão: a questão constitucional e o debate jurisprudencial que envolve o cabimento (ou não) de liberdade provisória a indiciados por crime de tráfico de drogas.
Como sabido, a Lei nº 8.072/90, que tratou dos crimes hediondos e assemelhados (tráfico, tortura e terrorismo) vedava a concessão de fiança e liberdade provisória. Todavia, tal vedação sempre foi criticada, tanto na doutrina como na jurisprudência pátrias, dada a flagrante inconstitucionalidade, posto que a CRFB/88 apenas havia vedado a fiança, jamais mencionado a liberdade provisória. Princípios caros ao Direito Penal do Estado Democrático de Direito estavam ameaçados (dignidade humana, proibição de excesso, dentre outros).
Tanto assim que a liberdade provisória já vinha sendo, há mais de uma década, manifestamente aceita nos tribunais, para hipóteses de tráfico. Nesse sentido, um julgado do STJ (Relator Ministro Edson Vidigal), de 1993, no qual declara a inconstitucionalidade ora apontada:
“O art. 2º, inciso II, da Lei 8.072/90 não admite fiança, nem liberdade provisória. Só que ao dispor sobre crimes hediondos, a Constituição Federal, art. 5º, XLIII, não autoriza o legislador ordinário a considerá-los insuscetíveis de liberdade provisória. Esse mesmo art. 5º assegura em seu inciso LXVI que ‘ninguém será levado a prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança’. Trata-se, portanto, de garantia constitucional, o que desautoriza o legislador ordinário a reduzir, como fez, as hipóteses de concessão da liberdade provisória” (STJ – RHC 2996-9-Rel Edson Vidigal – DJU 25/10/93, p. 22.503) (destaques nossos).
Em 2006, veio à lume a chamada “Lei de Drogas” (nº 11.343) que, em seu art. 44, repetiu o vício da Lei nº 8.072/90 e, em clara demonstração de apego a um modelo (falido) de Direito Penal de terror, previu a vedação da liberdade provisória ao delito de tráfico.
Por óbvio, a discussão doutrinária/jurisprudencial voltou à cena.
Porém, discussões à parte, a tese da inconstitucionalidade da vedação, em tese, da liberdade provisória, foi reforçada com o advento da Lei nº 11.464/07 (cópia em anexo – doc. 01), que alterou o artigo 2º da Lei nº 8.092/90, desta feita para retirar a liberdade provisória da proibição legal, dentre outras providências constitucionalmente recomendadas (admitiu progressão de regime, por exemplo).
Isto é, o legislador (por meio da Lei nº 11.464/07) reparou um gravíssimo vício que, há 18 anos, maculava a Lei de crimes hediondos, acolhendo, desta maneira, a doutrina e a jurisprudência pátrias, de viés democrático, que, há mais de uma década, já anunciavam que a lei infraconstitucional apenas poderia vedar o instituto da fiança, jamais o da liberdade provisória.
Portanto, a partir da Lei nº 11.464/07, o artigo 44 da Lei nº 11.343/06 precisa ser reinterpretado. Se uma lei de 2007, que se refere a crimes hediondos, passou a admitir a liberdade provisória, é obvio que, por analogia (in bonam partem – a única admitida no Direito Penal democrático), está o instituto também admitido para as hipóteses de tráfico de drogas, delito este assemelhado aos hediondos, por opção constitucional (CRFB, art. 5º, XLIII).
Não pode uma lei de 2006 (no caso, a 11.343) continuar proibindo a liberdade provisória ao tráfico se uma outra lei posterior, de 2007 (no caso, a 11.464) passou a permitir tal direito aos crimes hediondos, que ao tráfico se equiparam.
Seria tratar situações semelhantes (tráfico e crimes hediondos) de forma desigual. Violação clara a princípios constitucionais, como a isonomia. A analogia, aqui, não só é recomendável, como necessária.
O egrégio Superior Tribunal de Justiça já enfrentou a questão, como demonstrado na peça subscrita pelo advogado do requerente MANOEL que, às fls. 31/33, traz alguns julgados, sendo interessante notar o de lavra da Ministra JANE SILVA, no HC nº 106321/SP, em que, na ementa, admite, claramente, que a Lei 11.464/07 revogou implicitamente a Lei 11.343/06, no que pertine à vedação da liberdade provisória, possibilitando, assim, a aplicação desse instituto às hipóteses de tráfico (a decisão segue em anexo – doc. 02).
Também o Ministro EROS GRAU, do colendo Supremo Tribunal Federal, em duas oportunidades, maio de 2009 e dezembro de 2009 (HC nº 99278 e HC nº 101505), já decidiu sobre a questão, entendendo inconstitucional a vedação da liberdade provisória, em tese, ao crime de tráfico de drogas. As decisões seguem em anexo (doc. 03 e 04).
No mesmo sentido foi a correta decisão do Ministro CELSO DE MELLO que, invocando precedentes na própria Suprema Corte, decidiu pela inconstitucionalidade da vedação. Transcreve-se, parcialmente, a ementa do HC n° 97.9976: “HABEAS CORPUS. VEDAÇÃO LEGAL ABSOLUTA, EM CARÁTER APRIORÍSTICO, DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. LEI DE DROGAS (ART. 44) INCONSTITUICUIONALIDADE”. A decisão também segue em anexo (doc. 05).
Como se vê, nada disso, porém, foi avaliado pela decisão do Julgador Plantonista que, em três linhas e sem ouvir o Ministério Público, negou a concessão da liberdade provisória, dizendo, simplesmente, que é proibida “nos termos do art. 44 da Lei nº 11.343/07”, ignorando, assim, toda a evolução doutrinária e a rica discussão jurisprudencial que, desde 1990, subjazem a essa delicada questão.
Por óbvio que a matéria não é pacífica. Há entendimentos divergentes. Porém, o que se espera de uma decisão judicial é que, antes de optar por um ou outro entendimento, enfrente a discussão, justificando, claramente, o porquê de adotar esse ou aquele posicionamento. A fundamentação da decisão é, como sabido, exigência constitucional (CRFB, art. 93, IX). É aqui que reside o conteúdo democrático da tarefa jurisdicional.
Negar um pedido, que envolve um direito fundamental, simplesmente invocando um artigo de lei, quando existe uma farta discussão doutrinária e jurisprudencial em torno do tema, é manter-se aprisionado no formalismo do paleopositivismo, que não tem mais nenhum espaço - e agoniza desesperadamente - no neoconstitucionalismo dos Estados Democráticos de Direito.
Pois bem. Uma vez demonstrado que a vedação, em tese, da liberdade provisória não se sustenta, diante de uma leitura constitucionalmente aplicada de todos os dispositivos legais pertinentes à matéria, e considerando, ainda, a orientação jurisprudencial dos tribunais superiores que ora se abraça, cumpre defender que, neste caso concreto, a liberdade provisória deve, sim, ser deferida aos requerentes.
Não se vai discutir aqui a legitimidade das prisões, embora o flagrante, em relação ao indiciado MANOEL LOBATO PINHEIRO seja questionável, já que, em primeiro lugar, a violação ao domicílio parece não ter sido legítima e, em segundo lugar, não se vê provas de que a droga apreendida na casa pertencia ao indiciado. Poderia ser de outra pessoa.
Porém, como o flagrante foi homologado, o Ministério Público irá trabalhar com a hipótese de que foi, aparentemente ao menos, legal. Isso não impede, entretanto, a concessão da liberdade provisória. Vejamos.
Em que pese a equipe de policiais civis haver encontrado certa quantidade de drogas em poder dos Requerentes - a princípio legitimamente - força é convir pelo total descabimento da prisão provisória, pois não se vislumbram presentes os requisitos que autorizam a custódia preventiva. Apesar de, aparentemente, formal e materialmente em ordem, o flagrante não pode se perpetuar - transformando a prisão provisória em verdadeira pena - se inexistente qualquer necessidade de se manter os indiciados privados de sua liberdade.
Com efeito, pelo princípio da presunção do estado de inocência, consagrado em nível constitucional, somente se admitirá a prisão antes da sentença em casos excepcionalíssimos, e desde que demonstrada, de forma inequívoca, a necessidade imperiosa e acautelatória da medida.
Infraconstitucionalmente há previsão específica no art. 310, parágrafo único do CPP, que determina ao juiz a concessão de liberdade provisória quando, ouvido o Ministério Público e à vista do auto de prisão em flagrante, constatar a inocorrência de quaisquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva. É exatamente o que se vislumbra no caso em tela.
Não se encontra nenhuma razão para manter os indiciados em cárcere, na medida em que nada há nos autos a demonstrar que, uma vez soltos, venham causar algum embaraço à instrução criminal ou colocar em risco a aplicação futura da lei penal. Não se pode presumir que, em liberdade, irão fugir, ameaçar testemunhas, etc. Repita-se: a única presunção admitida em nível constitucional é a de inocência, as demais são arbitrárias.
Cumpre lembrar que a prisão provisória – ou seja, antes da condenação – tem conteúdo meramente processual (e não punitivo) e, sendo assim, somente se justifica se necessária para garantir a efetividade do processo, conforme a teoria da cautelaridade. Exatamente por isso, a autorização de prisão preventiva “como garantia de ordem pública” é questionável, sob o ponto de vista constitucional.
No caso em tela, não se encontra nenhum fundamento para a decretação da preventiva, ausente que está o perciulum libertaris.
O fato de os requerentes registrarem antecedente criminal não pode, em absoluto, inviabilizar a liberdade provisória. A uma, porque não foram ainda julgados. Assim, negar um benefício por conta de um antecedente sem sentença transitada em julgado, seria ferir de morte o princípio da presunção de inocência. A duas porque, ainda que condenados fossem, não pode uma questão passada ser novamente avaliada para piorar uma situação presente. Isso seria dar lugar ao bis in idem, totalmente expurgado do Direito Penal democrático.
Ante o exposto, por todas as razões acima expendidas e invocando todos os fundamentos já apresentados, o Ministério Público manifesta-se – embora à revelia desse Juízo, que determinou vista dos autos apenas para “ciência” - com fulcro no art. 310, parágrafo único do CPP, pela concessão de liberdade provisória a MANOEL LOBATO PINHEIRO e ALAN MATOS DA COSTA.
É a manifestação.
Belém, PA, 28 de fevereiro de 2010.
ANA CLÁUDIA BASTOS DE PINHO
Promotora de Justiça
Plantão Criminal
'Furtado do blog de Alexandre Moraes da Rosa: http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com/'

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